Mãe Soberana, a Romaria do Algarve
Mãe Soberana, em Loulé: a grande romaria algarvia
Particular destaque nas diversas manifestações pascais que, no Algarve, celebram a alegria pela ressurreição de Jesus, tem a festa em Honra de Nossa Senhora da Piedade – Mãe Soberana para os louletanos, festa que também se inicia no Domingo de Páscoa, designada como “Festa Pequena da Mãe Soberana”. As festividades da Mãe Soberana constituem uma tradição que data do século XVI.
A imagem de Nossa Senhora, Padroeira desta cidade, desce do cerro onde se encontra o seu Santuário, seguindo em procissão em direção à Igreja de S. Francisco. A descida da Santa obedece a uma marcha fácil de organização profana, com os Homens do Andor a conduzirem a pesada estrutura até ao templo, ao som da Marcha da Mãe Soberana, interpretada pela Banda Filarmónica Artistas de Minerva. Durante quinze dias permanecerá nesse local, onde se realizarão diversas atividades religiosas.
Depois, terá lugar o momento alto das festividades: a Festa Grande. Nela se faz o regresso da Padroeira ao Santuário. Após a saída da Igreja de S. Francisco, a procissão percorre as ruas do centro de Loulé, ao ritmo de marchas. No espaço circundante ao edifício erguido em memória do Eng.º Duarte Pacheco, tem lugar a missa campal.
Depois desce até ao Convento do Espírito Santo seguindo-se o caminho de volta ao Santuário. Os oito homens carregam o andor, vestidos de calças e opas brancas, sobem o íngreme cerro, ao ritmo da música, e com a população a exibir-se em manifestações diversas mas verdadeiramente sentidas. Em tempos passados, estes homens eram considerados seres com capacidades sobre-humanas. Mas esta tradição, que é transmitida de geração em geração, de pais para filhos, tem vindo a perder-se. No entanto, há uma consideração especial por parte de todos os louletanos relativamente a estes homens que carregam a santa ao longo desta subida íngreme num ritmo acelerado.
A escalada do caminho que dá acesso ao altar da Nossa Senhora da Piedade é um documento espantoso da fé cristã nesta terra. Ao esforço gigantesco dos homens que transportam a Virgem, alia-se a força espiritual dos muitos fieis que, em vivas à Nossa Senhora, em passo vivo e na cadência musicada dos homens da banda, vão “empurrando”, no calor da fé e calçada acima, o pesado andor da padroeira.
Este cenário imenso da religiosidade louletana, de características tão locais como únicas, só pode ser sentido na alma de cada crente, quando vivido. Uma vivência feita de fervor religioso e de testemunho cristão, cuja explicação reside unicamente na essência dogmática da própria fé.
Esta festa atrai milhares de peregrinos e visitantes, sendo um dos principais cartazes turísticos do Concelho de Loulé, uma das mais enraizadas tradições louletanas, bem como a maior manifestação religiosa a Sul de Fátima.
Algarve: A Pietá do Sul de Portugal
Na primeira quinzena pascal, a Diocese do Algarve vive uma das maiores manifestações de fé a sul do rio Tejo, com as festas da Mãe Soberana. A tradição que remonta ao século XVI conduz a Loulé milhares de crentes e curiosos para participarem na «festa pequena» e, essencialmente, na «festa grande».
Chamam-se «festa pequena», quando o andor da Mãe Soberana desce da ermida da Senhora da Piedade, até à Igreja de São Francisco, por oposição à «festa grande», 15 dias depois, quando se trata do adeus à padroeira de Loulé.
A festa tem dois momentos distintos. Na Páscoa, a imagem que fica na Ermida da Senhora da Piedade, no alto do cerro, desce a íngreme ladeira, carregado o andor em braços, num difícil equilíbrio, porque afinal, a descer, todos os santos ajudam e a calçada é escorregadia.
É uma marcha considerada «profana», que inicia um período de maior religiosidade, com a realização de novenas, logo que a imagem chega à igreja de São Francisco, no centro da cidade algarvia.
Na «festa grande», oito os homens - vestidos de calças e opas brancas - carregam o andor e sobem o íngreme cerro, sempre ao ritmo da música. Na procissão da «festa grande», o andor, na despedida à cidade, para em frente ao edifício dos Paços do Concelho, porque era aí, na Câmara, que se elegiam os mordomos da confraria de Nossa Senhora da Piedade e se nomeavam os homens que em cada ano transportariam o andor.
Logo que se escutam os acordes da «marcha picada» do hino da Mãe Soberana o passo acelera, transforma-se numa corrida de equilíbrio, com a população a exortar o esforço e a acenar com milhares de lenços brancos.
Um quadro religioso raro, somente comparável às festividades religiosas minhotas, numa cidade que, para os mais distraídos, apenas oferece sol, mar e carnaval.
Os muros brancos que cercam uma provável via romana, como gostam de acreditar os locais, estão bordejados pela multidão, um “lençol branco esvoaçante substitui por momentos o verde da colina” a noroeste da cidade de Loulé. (Cf. Jornal «Expresso», 01 de maio de 2004)
Na zona circundante do santuário, o cheiro a tomilho selvagem é intenso, visto que é macerado por milhares de pés e o seu aroma suplanta o da cera das velas e o do incenso. No início da ladeira, a banda da música acelera o ritmo e o clima de tensão é notório. Um rio de gente sobe o cerro a uma velocidade estonteante e, sobre as suas cabeças, aos saltos e oscilando como um barco, vai o andor. Os acordes da banda filarmónica são temperados por gritos roucos, uns tonitruantes, outros agudos. São vivas alegres, entoados por um mandador improvisado a que os assistentes respondem, repetindo incessantemente: «Viva, a Mãe Soberana».
A imagem da Mãe Soberana tem autor desconhecido e tudo o que se sabe é que terá sido esculpida no início do século XVIII, em madeira e ouro. Enquanto se cumprem os últimos rituais religiosos ao ar livre, há quem prefira ir para dentro da pequena ermida agradecer as graças obtidas por intermédio da Mãe Soberana, a Pietá do Sul do país. Já o sol se pôs quando as entidades eclesiásticas, a banda e muitos milhares de crentes descem a ladeira rumo à cidade, deixando que o silêncio volte a cair sobre a Mãe Soberana.
Conta a lenda que as tentativas para construir uma ermida em honra da Virgem da Piedade, numa gruta, saíram frustradas. Os pedreiros, após o dia de trabalho deixavam no local as ferramentas, para no dia seguinte as encontrar no alto do cerro.
Atribuiu-se tal façanha a um «milagre» da santa, que assim manifestava a sua vontade de ter o seu templo num local alto e sobranceiro e não escondida numa cova. E fez-se a sua vontade. A pequenina ermida ficou concluída em 1553 e até 1970 acolheu a imagem. (cf. Conceição Branco, in: www.observatoriodoalgarve.com)
A comissão fabriqueira da Mãe Soberana iniciou em 1970 a construção de um santuário da autoria do arquiteto Nereus Fernandes, que previa a destruição da ermida, facto mal aceite pelos fiéis. O projeto acabaria por ser interrompido e a obra reiniciou-se em 1988, desta vez sob a responsabilidade do arquiteto António Serrano Santos. Mas só em 1994 foi inaugurada a nova construção, permanecendo a seu lado a humilde ermida.
Luís Filipe Santos, Agência Acclesia, 17 de Julho de 2012, às 12:21 (http://www.agencia.ecclesia.pt/noticias/dossier/algarve-a-pieta-do-sul-de-portugal/), consultado a 5/6/2017